BIQUISMO
Mania de fazer
bico, bicomania, amarrar o burro, birra, mofina, embirrar, emburrar,
teimar, carranca, capricho, pirraça, gênio, desfeita, acinte e outros
nomes, é uma doença que deve ser tratada.
Quem ainda não foi vítima
de um biquismo?
Quem já não perdeu uma
grande amiga, geralmente sua melhor amiga?
E como isso dói para
vítima, para o Bicudo não dói.
O biquismo é responsável
por inúmeros casamentos dissolvidos, embora muito amor houvesse entre o
casal.
DENTIFRÍCIO
Um casamento estava indo
bem, contudo a esposa era muito perfeccionista e não gostava que o tubo
de pasta de dente (tempo que a embalagem era de chumbo) fosse apertado
pelo meio, achava feio, e insistia que deveria ser apertado a partir do
fundo, sem deformar a bisnaga.
Como ela já havia dito
pra ele que não gostava disso, mas ele não deu importância para o fato,
por ser irrelevante, a próxima vez que entrou no banheiro e viu o tubo
apertado pelo meio, estabeleceu-se o bico.
A partir daí,
inconscientemente ela passou a fazer uma coletânea de coisas simples,
para justificar cada vez mais seu bico, de tal forma que virou uma bola
de neve de “defeitos”, os quais se tornaram maiores que as virtudes,
inviabilizou o casamento e o divórcio foi a solução.
Apesar do grande amor
entre eles ficou impossível a convivência por causa do biquismo.
Devido a síndrome VSTR,
“você sempre tem razão”, tema de outra matéria, ela não contava a razão
do seu bico, porque se contasse ele iria argumentar e sempre com razão e
seu bico deixaria de ter motivo.
Resumindo:
para o bicudo permanecer bastante tempo com bico deverá procurar por
todas as coisas que a vítima faz e que ele não gosta somando num
processo de acumulação de raiva, cada vez maior e não deve nunca contar o
motivo para ninguém, sob o risco de vazar para a vítima. É uma espécie
de traição.
O bicudo não sofre, a
vítima entra num processo de dor e desespero, por causa do desprezo,
enquanto que o bicudo, não tem este sentimento, a raiva é cada vez mais
alimentada, mesmo porque, justamente por causa do desespero a vítima
acaba fazendo mais coisas que desagrada o bicudo, e acaba servindo-lhe
um prato cheio daquilo que o bicudo quer.
PÉ SUJO
Certa vez tive uma amiga e
não quis mais sua amizade, tinha de ganhar coragem para dizer isso a
ela.
Comecei a procurar
motivos para um bico, e fui encontrando aos poucos, mas faltava um que
fosse a gota d´água.
Num próximo encontro,
possivelmente encostou o calcanhar em algum lugar de forma que estava
sujo, me deu um grande nojo que cheguei a ter náusea, coisa comum no
bicudo, não se assuste... risos.
É claro que se eu falasse
ela limparia, tudo se resolveria e eu não teria mais o motivo do bico
que tanto eu estava esperando.
Com isso criei energia
suficiente para levantar um bico enorme atingi o meu propósito.
Sei que ela sofreu muito,
nunca ficou sabendo o motivo do meu bico, nunca mais a vi, eu não
sofri, no fundo era o que eu queria.
ESPECIALISTA EM
BIQUISMO
Como se vê já fui
especialista em bicos, domino bem a matéria, hoje não sou mais, sou até
vítima. Como diz o ditado o que aqui se faz aqui se paga.
Tive uma amiga, mas uma
amiga daquelas que a gente dá a vida por ela, que a gente tem um amor
maior que irmã, ela aplica o biquismo contra mim há 19 dias.
Pela minha experiência
sei que ela nada sofre, contudo a dor para mim foi muito grande, quase
insuportável, fui ao desespero e é claro que cometi mais coisas que ela
não gosta o que só fez aumentar o bico, dei para ela a ira que precisava
para sustentar o bico indefinidamente.
Foi uma pena que tão bela
amizade terminasse sem motivos aparentes, contudo não dependeu de mim,
tenho a consciência tranqüila posso por a cabeça no travesseiro e
dormir.
Não espero que ela não
durma por isso, pelo contrário, encontrou sua PAZ, já disse isso.
Aquele vazio que dominava
minh´alma, aos poucos foi se diluindo e a tendência é desaparecer por
completo.
Não adianta esperar por
mudanças, porque se o bico se desfaz é certo que em pouco tempo haverá
novos e cada vez maiores, o certo é esquecer de vez, para não sofrer
mais.
O praticante do biquismo
não se modifica por si mesmo, é uma patologia que requer tratamento
psiquiátrico, no entanto, não reconhece o que torna as coisas mais
difíceis.
RESUMO
Fiz esta matéria com o
objetivo de ajudar as amigas que foram vítimas do biquismo e estão
sofrendo por um mal que não é dela.
Todas têm virtudes e
defeitos, olhar, somar e ampliar só os defeitos esquecendo completamente
as virtudes é totalmente inaceitável, faz até mal querer uma amizade de
uma pessoa assim.
A intenção é mostrar o
mecanismo do biquismo, porque ao entender ameniza o sofrimento e passa a
fazer a única coisa que pode ser feita – esqueça o bicudo - na certa
não merece sua amizade.
POESIAS
Nasci
antes do tempo
Cora Coralina
Tudo que criei e defendi
nunca deu certo.
Nem foi aceito.
E eu perguntava a mim mesma
Por quê?
Quando menina,
ouvia dizer sem entender
quando coisa boa ou ruim
acontecia a alguém:
Fulano nasceu antes do tempo,
Guardei.
Tudo que criei, imaginei e defendi
nunca foi feito.
E eu dizia como ouvia
a moda de consolo:
Nasci antes do tempo.
Alguém me retrucou
Você nasceria sempre
antes do seu tempo.
Tudo que criei e defendi
nunca deu certo.
Nem foi aceito.
E eu perguntava a mim mesma
Por quê?
Quando menina,
ouvia dizer sem entender
quando coisa boa ou ruim
acontecia a alguém:
Fulano nasceu antes do tempo,
Guardei.
Tudo que criei, imaginei e defendi
nunca foi feito.
E eu dizia como ouvia
a moda de consolo:
Nasci antes do tempo.
Alguém me retrucou
Você nasceria sempre
antes do seu tempo.
De Sylvia
Plath
A mulher está perfeita. Seu corpo Morto enverga o sorriso de completude, A ilusão de necessidade Grega voga pelos veios da sua toga, Seus pés Nus parecem dizer: Já caminhamos tanto, acabou. Cada criança morta, enrodilhada, cobra branca, Uma para cada pequena Tigela de leite vazia. Ela recolheu-as todas Em seu corpo, como pétalas Da rosa que se encerra, quando o jardim Enrija e aromas sangram Da fenda doce, funda, da flor noturna. A lua não tem porque estar triste Espectadora de touca De osso; ela está acostumada. Suas crateras trincam, fissura.
Princesa Desalento
Florbela Espanca
Minh'alma é a Princesa Desalento,
Como um Poeta lhe chamou, um dia.
É magoada, e pálida, e sombria,
Como soluços trágicos do vento!
É fágil como o sonho dum momento;
Soturna como preces de agonia,
Vive do riso duma boca fria:
Minh'alma é a Princesa Desalento...
Altas horas da noite ela vagueia...
E ao luar suavíssimo, que anseia,
Põe-se a falar de tanta coisa morta!
O luar ouve minh'alma, ajoelhado,
E vai traçar, fantástico e gelado,
A sombra duma cruz à tua porta...
Lágrimas ocultas
Florbela Espanca
Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...
E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!
E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...
E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!
O sono
Álvaro de Campos
O sono que desce sobre mim,
O sono mental que desce fisicamente sobre mim,
O sono universal que desce individualmente sobre mim —
Esse sono
Parecerá aos outros o sono de dormir,
O sono da vontade de dormir,
O sono de ser sono.
Mas é mais, mais de dentro, mais de cima:
E o sono da soma de todas as desilusões,
É o sono da síntese de todas as desesperanças,
É o sono de haver mundo comigo lá dentro
Sem que eu houvesse contribuído em nada para isso.
O sono que desce sobre mim
É contudo como todos os sonos.
O cansaço tem ao menos brandura,
O abatimento tem ao menos sossego,
A rendição é ao menos o fim do esforço,
O fim é ao menos o já não haver que esperar.
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